Nossa Senhora de Cavadonga
07 de Setembro
Daniel Martins
Certo dia, por volta do ano 718, um desordeiro escalava desesperadamente os rochedos, fugindo de um jovem guerreiro que tentava capturá-lo. De repente, o fugitivo entrou em uma vasta e escura gruta. Correndo atrás dele, o guerreiro encontrou-o abraçado desesperadamente a um venerável eremita. Ao lado do velho monge estava uma imagem da Santíssima Virgem com o Menino Jesus nos braços. Atendendo ao pedido do eremita, o jovem desistiu de prender o arruaceiro. “Deus o ajudará por isso, meu amigo”, disse o eremita.1
Os nomes do eremita e do vilão perderam-se na História. Mas o do nobre guerreiro era Pelayo, destemido combatente, principal personagem dos feitos a seguir narrados. A gruta é até hoje conhecida como Covadonga — corruptela da expressão “cova lunga”. A imagem de Nossa Senhora é aí venerada sob a invocação de Nossa Senhora de Covadonga, Libertadora e Rainha da Espanha.Cercado por muçulmanos e católicos traidores
Monumento de D. Pelayo em Covadonga
Conforme expusemos em artigo anterior, devido à decadência dos visigodos e à traição de alguns católicos, em 15 meses os muçulmanos haviam dominado todo o território espanhol. Imaginando-se livres de quaisquer obstáculos na Espanha, já se dirigiam para a Gália, atual França.
Foi nessa circunstância que D. Pelayo e os bravos resistentes católicos iniciaram seu plano de combate. Fizeram inicialmente diversas incursões e escaramuças contra as guarnições muçulmanas, obtendo várias pequenas vitórias.
O ataque muçulmano
Enfurecidos ao extremo com essa obstinada resistência, os generais mouros Tarif e Alcama juntaram seus já numerosos exércitos aos do Arcebispo traidor D. Oppas.
D. Pelayo dispunha de um exército pequeno e insuficientemente adestrado, mas sua bravura e vontade de reconquistar a Espanha para a verdadeira Religião produziram nele enorme perspicácia.
Enviou parte de seus homens para pontos estratégicos nas montanhas e, com provisão para muitos dias, armas ofensivas e defensivas, refugiou-se com mil de seus melhores combatentes na grande gruta do monte Auseva, onde outrora fora ao encalço do desordeiro.
É interessante mencionar que aquele mesmo eremita a que nos referimos dera a D. Pelayo uma cruz de madeira, dizendo: “Eis o sinal da vitória”. D. Pelayo colocou essa cruz no topo de seu estandarte para ser carregada durante a batalha que estava para começar.
Tentativa de dissuadir os católicos
Capela da “Santa Cueva” de Covadonga (Cangas de Onis)
Acostumado a vencer com base na traição, o mouro Alcama enviou D. Oppas para convencer D. Pelayo a render-se, em troca de terras, presentes e múltiplos benefícios.
Assim se expressou o arcebispo traidor: “Irmão, todos sabemos que é em vão teu trabalho. Que resistência conseguirás oferecer, quando toda a Espanha e todos os exércitos não puderam resistir aos ismaelitas? Segue meu conselho. Desarma-te e desfruta de tuas numerosas propriedades em paz com os árabes, como todo o povo está fazendo!”2
Desdenhando tão vil oferta e confiando na intervenção de Nossa Senhora de Covadonga, D. Pelayo respondeu: “Não quero qualquer amizade com os islamitas e jamais me submeterei a seu império. Não sabeis que a Igreja de Deus é como a lua, que depois de eclipsar-se retorna ao seu esplendor? Nós cremos na misericórdia de Deus e sabemos que desta montanha emergirá a salvação para a Espanha. Vós com vossos irmãos, assim como Olian, ministro de Satanás,3 decidiram entregar aos muçulmanos o reino dos Visigodos. Mas nós, tendo Nosso Senhor Jesus Cristo como nosso advogado diante de Deus Pai, desprezamos essa multidão de pagãos, em nome dos quais viestes. E, pela intercessão da Mãe de Deus, que é Mãe de Misericórdia, cremos que este pequeno exército de visigodos multiplicar-se-á como as sementes de um pequenino grão de mostarda”.4
Após resposta tão peremptória, D. Oppas voltou para o acampamento dos muçulmanos e lhes disse: “Ide em direção à gruta e combatei, pois somente a espada obterá qualquer coisa dele”.5O exército mouro organizou-se então em frente à montanha onde se localizava a gruta e, com grande fúria, começou a lançar miríades de pedras e flechas contra o exército católico. De repente os muçulmanos perceberam que, por um prodigioso efeito boomerang, ao chegar perto da gruta, todas as pedras e flechas davam meia-volta e se voltavam contra eles.6
Encorajados pelo milagre, os católicos saíram da gruta, ouvindo animados a conclamação de D. Pelayo: “Espanhóis heróis, filhos de pais invencíveis, não vedes que o Céu já decretou vingança e a quer por vossas mãos?” Começou então a luta corpo a corpo, na qual os católicos combatiam com tanto ardor que o inimigo, atordoado, começou a debandar.
Quando o exército mouro iniciou a fuga pelas montanhas, o contingente de D. Pelayo que estava nelas escondido apareceu por detrás dos picos. Alguns atiravam flechas e outros lançavam grandes pedras e troncos de árvore sobre os mouros, que fugiam espavoridos. Poucos deles conseguiram escapar com vida do vale de Congas. O bispo traidor D. Oppas foi preso e o general Alcama teve a mesma sorte de milhares de infiéis.
Ocorreu simultaneamente outro prodígio: desatou-se sobre a região uma tempestade inesperada, a qual provocou o deslizamento das encostas próximas ao rio Deva, levando de roldão numerosos ismaelitas. Foi tal a mortandade que, séculos após a batalha, quando o rio enchia durante os inverno, ainda se encontravam ossos e pedaços de armadura flutuando.
Outro comandante muçulmano, Munuza, ao tomar conhecimento da terrível derrota, fugiu com suas tropas, mas foi alcançado e morto pelos espanhóis perto de Oviedo.Semente de um império católico
A imagem de Nossa Senhora é venerada em Covadonga sob a invocação de Nossa Senhora de Covadonga, Libertadora e Rainha da Espanha
Sabendo dos prodígios ocorridos, muitos cristãos juntaram-se a D. Pelayo. Um deles foi Alfonso, filho do Duque de Viscaya, que deixou para isso seu pai e suas terras. Mais tarde, Alfonso casou-se com Orminsinda, filha do herói da Reconquista. Com a morte prematura de Favila, filho de D. Pelayo, Alfonso tornou-se o herdeiro do trono sob o nome de Alfonso I, o Católico.
D. Pelayo continuou a combater os mouros até o dia de sua morte, ocorrida por causas naturais, em Congas de Onis, no ano 737. Foi sepultado por sua esposa Gaudiosa perto do altar de Nossa Senhora, na própria gruta de Covadonga.
Seu epitáfio diz: “Aqui jaz o santo rei Dom Pelayo, aclamado no ano de 716, que nesta milagrosa gruta começou a Reconquista da Espanha”.
Conseqüências para os séculos posteriores
Historiadores de renome, como J.B.Weiss, reconhecem que a batalha miraculosa de Covadonga “iniciou a reação que havia de conduzir, depois de oito séculos de combates, à total Reconquista da Península Ibérica. Isso é um fato que está por cima de todas as negações da hipercrítica”.7
Muitos espíritos ponderados consideram que, se não tivesse havido a Reconquista, a América Latina seria hoje muçulmana. E junto com a religião, implantar-se-ia toda uma forma de vida e de civilização pagãs. Conforme afirma outro historiador, “a Reconquista tornou-se uma guerra santa para ambos os lados, porque as doutrinas religiosas também incluíam valores culturais que afetavam a vida de todos os dias e as tradições. Essas diferenças irreconciliáveis estavam na raiz dessa luta”.8
Numa visualização histórica mais profunda, é a Nossa Senhora de Covadonga e a seu bravo guerreiro Dom Pelayo que devemos a graça inestimável da fé e da cultura católicas que nos transmitiram nossos ancestrais.
