O fato de ser muito menos provável que nos envolvamos em comportamentos desviantes se pensarmos que estamos sendo vigiados não é uma nova descoberta.
Em 2012, um grupo de pesquisadores da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, utilizou sinalização simples em três locais no campus que tinham uma prevalência extremamente alta de roubo de bicicleta. Os sinais mostravam um par de olhos, juntamente com declarações importantes, sugerindo que a área estava agora sob vigilância.
O resultado líquido? Uma redução de 62% no roubo geral em cada um desses três locais.
Embora eu seja a favor da utilização da tecnologia para promover o interesse público e reduzir os atos criminosos, a realidade é que a vigilância pode ter um efeito muito mais assustador sobre o nosso comportamento do que se pensava inicialmente.
Um novo estudo que procurou examinar a relação entre vigilância em massa e opinião on-line descobriu que as pessoas tendem a suprimir suas verdadeiras crenças se pensam que suas opiniões constituem uma visão minoritária.
Longe de apenas parar os atos ilegais, a vigilância em massa pode nos obrigar a moldar nosso comportamento para agradar a maioria.
Novamente, talvez essa descoberta não seja exatamente nova. "Democracia na América", um tratado do século XIX escrito pela socióloga francesa Alexis de Tocqueville, alerta sobre a "tirania da maioria" - um cenário em que a opinião pública supera de maneira abrangente as minorias e aqueles que têm opiniões impopulares.
Tocqueville era um admirador fervoroso do individualismo americano, mas achava que suas características poderiam levar a uma sociedade em que todos os cidadãos, paradoxalmente, tentariam o máximo possível para se parecerem. E enquanto ele morreu muito antes da vigilância em massa entrar em vigor, suas palavras poderiam ter sido uma profecia do que estava por vir.
O efeito Snowden
A internet foi projetada para promover a comunidade e aproximar as pessoas. O objetivo era promover a liberdade de expressão, deixar de lado o autoritarismo, erradicar barreiras à informação e permitir que as pessoas se envolvessem em debates significativos on-line.
Eventos como a Primavera Árabe de 2011, também conhecida como “ revolução do Twitter ”, nos deram um vislumbre de quão poderosas comunidades online se tornaram. Mesmo governos repressivos com monopólios sobre os instrumentos de violência não podiam impedir levantes em massa organizados puramente através da mídia social.
Se a mídia social realmente ajuda a democracia e reduz a tirania é um assunto para outro dia, mas é pertinente notar que os eventos da Primavera Árabe não resultaram exatamente em instituições democráticas mais fortes no Oriente Médio.
Por outro lado, apenas alguns anos após a Primavera Árabe, as revelações bombásticas de Snowden sobre vigilância em massa nos EUA e, potencialmente, em todo o mundo, confirmaram nossos medos mais sombrios. A internet não era o porto seguro que havíamos pensado.
Então, como a divulgação de Snowden impactou o comportamento on-line? De acordo com Jon Penney , ex-membro do Berkman Klein Center for Internet Society da Harvard Law School, houve um declínio drástico nas pesquisas na Wikipedia por palavras-chave relacionadas ao terrorismo, como Al Qaeda, armas químicas e jihad.
O pesquisador documentou que as pesquisas estavam em declínio mesmo um ano após o final do estudo. E, dada a falta de evidências de punição ou acusação por tentar acessar essas informações, Penney declarou que era improvável que o medo de acusação fosse a razão por trás do declínio. A explicação que ele ofereceu foi "autocensura".
Bruce Schneier, do Centro Belfer de Assuntos Governamentais e Internacionais da Harvard Kennedy School, declarou que "o fato de você não fazer as coisas, de autocensurar, são os piores efeitos da vigilância generalizada".
Bem-vindo ao efeito panóptico , com ferramentas ligeiramente modificadas.
É a vigilância
Parte desse comportamento é simplesmente natureza humana. Somos animais políticos, como Aristóteles declarou no século IV aC. Gravitamos em direção à aceitação social e à comunidade. A maioria de nós não procura ser excludente e é muito mais feliz quando aceita por outros. Portanto, se soubéssemos que uma entidade desconhecida estava rastreando todos os nossos movimentos, faríamos muito mais para ser percebido como 'normal' e como qualquer outra pessoa.
Mas as descobertas de Penney são muito mais preocupantes porque apontam para uma situação em que os limites do debate estão sendo arbitrariamente delineados. Não há problema em discutir se os Kardashians são úteis para a sociedade, mas nem uma palavra contra o governo. E se você sair da linha, tenha certeza de que os algoritmos o capturam.
A descentralização da Internet e a falta de um nó de controle foram uma faceta essencial no desenvolvimento da Web por seus fundadores originais. O fato de não terem patenteado a idéia e terem optado por renunciar aos lucros explica muito a intenção de construir sociedades globais fortes em um ambiente livre de repressão e retribuição.
A internet hoje está muito longe dos ideais não comerciais daqueles que a deram à luz. A neutralidade da rede é uma coisa do passado, que provavelmente nunca retornará. Redes de internet isoladas, seletivas nas informações e aplicativos que permitem, são mais comuns do que as abertas e gratuitas. A vigilância é tão onipresente que temos uma visão passiva dela, quase ao ponto de não nos incomodar mais.
Nosso futuro é apenas mais dispositivos, não menos. Mais scanners faciais , câmeras de vigilância, dispositivos IoT e algoritmos de aprendizado de máquina mais inteligentes para complementá-los. Cidades inteligentes. O que acontece depois? Adesão cega a ideais não ditos? Cidadãos apolíticos? Uniformidade de pensamento?
Em vez de incentivar e promover a diversidade, a Internet pode acabar silenciando-a. E é com esse futuro que devemos nos preocupar.
